Combustíveis simples!

A Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) defendeu hoje que a lei que obriga todos os postos de abastecimento a vender combustíveis simples é "um passo atrás", que prejudica os consumidores, os operadores e o ambiente.

Três dias após a entrada em vigor da Lei n.º 6/2015, a associação representativa das petrolíferas Galp, Repsol, Cepsa e BP considerou que, "não havendo ganhadores, há alguns relevantes perdedores e prejuízos, com a aplicação" desta legislação, enumerando os consumidores, que passaram a ter uma oferta limitada num mercado menos diferenciado, os operadores, que desenvolvem os seus produtos e se vêm impedidos de os comercializar, e o ambiente, devido a "uma menor eficiência energética, um aumento da emissão de gases e uma pior qualidade do ar".

"A Apetro, enquanto representante de uma indústria que, em mais de 100 anos de existência, se orgulha de ter contribuído para os muitos passos em frente ocorridos na sociedade portuguesa, lamenta profundamente o retrocesso agora imposto", lê-se no comunicado enviado hoje.

Segundo a associação, a legislação aprovada por unanimidade no parlamento "é um passo atrás no funcionamento do mercado da energia, ao coartar de modo intrusivo a liberdade dos operadores de apresentarem aos consumidores a sua gama de produtos, fruto de intenso trabalho de investigação e desenvolvimento, reduzindo assim a concorrência entre operadores e indo, obviamente, em contracorrente com as tendências na União Europeia", numa referência ao facto das petrolíferas terem retirado um dos produtos para vender os combustíveis simples.

A Galp foi a única das quatro marcas que optou por retirar a sua gama 'premium', mantendo em comercialização o gasóleo e gasolina normais, ao lado dos simples.

"É um passo atrás porque, impondo a venda de produtos indiferenciados por todos os operadores, se reduz a liberdade de escolha dos consumidores, impedindo-os de seleccionar as marcas com base na diferenciação de produtos", acrescenta em comunicado.

A associação acrescenta ainda mais três razões para a legislação ser um retrocesso: para a 'performance' dos motores, ao reduzir "o seu rendimento e a sua longevidade", para a eficiência energética, uma vez que "a ausência de alguns aditivos irá provocar aumento de consumo, em completa contradição com a intenção de melhorar aquele indicador.

Há ainda os prejuízos para o ambiente, defende, porque "uma menor eficiência, implica um maior consumo por quilómetro percorrido e, consequentemente, mais emissões de gases com efeito de estufa, o CO2 em particular".

Dois cêntimos por litro de gasóleo e de gasolina foi a poupança introduzida pelos combustíveis simples nos postos das quatro principais marcas, em comparação com os preços praticados na quinta-feira, constatou a Lusa.

De acordo com uma ronda pelos postos das quatro petrolíferas em Lisboa - Galp, BP, Repsol e Cepsa -, a variação dos combustíveis simples face ao preço do gasóleo e da gasolina 95, praticado na quinta-feira nesses mesmos postos, era de apenas dois cêntimos por litro.

Assim, o preço médio do litro de gasóleo simples rondava os 1,26 euros e o de gasolina simples 1,52 euros nos postos das quatro marcas, cerca de oito cêntimos acima do preço dos 'low cost', isto é, das grandes superfícies.

O ministro da Energia afirmou na sexta-feira que os primeiros dados sobre a venda de combustíveis simples permitiram uma poupança de três cêntimos e afirmou esperar que seja possível "ir mais longe nos benefícios para os consumidores".

Lei que obriga petrolíferas a venderem gasolina e gasóleo sem aditivos viola a liberdade de estabelecimento e de escolha dos produtos que cada operador quer oferecer.

António Comprido, secretário-geral da Apetro, associação que reúne as empresas petrolíferas, entende que a lei dos combustíveis simples "ao homogeneizar a oferta, limita a concorrência" e que tem "alguns aspectos inconstitucionais". Garante que "não há nenhum país que tenha imposto uma lei destas" que "vai provocar uma erosão no valor das marcas". E conclui que "a medida é, completamente, política".

Esta lei é uma das poucas aprovadas por unanimidade. Estavam todos errados?
Sendo uma lei aprovada por unanimidade no Parlamento, que apregoa preços mais baratos aos consumidores, obviamente que a argumentação é mais complicada. Nós respeitamos, mas não desistimos da razão. As companhias, apesar de discordarem portaram-se como boas cidadãs e no dia 17 cumpriram a lei. E, curiosamente, nem todas seguiram a mesma estratégia comercial para cumprir a lei, o que vem provar, mais uma vez, que o mercado funciona e que as companhias estão em concorrência umas com as outras.

Houve inquéritos aos consumidores sobre esta matéria?
Não. Uma das críticas que fazemos a esta lei e a esta intervenção é que o Estado está a querer substituir-se aos consumidores. O Estado decidiu que os consumidores querem combustíveis simples. Eu pergunto: mas quem é que disse isso? Portugal tem das redes mais densas da Europa em termos de postos de abastecimento. Há postos ao virar de cada esquina. Por isso, temos custos unitários mais altos. Antigamente a pessoa ia à marca A, B ou C, ao hipermercado ou ao posto independente e escolhia. E essa é que é a verdadeira escolha. Depois lá abastecia o produto que queria.

Está a dizer que isto é um atropelo à concorrência?
Acho que, ao homogeneizar a oferta, limita a concorrência.

E é inconstitucional?
Não sou jurista. Agora, de acordo com a análise que fizemos e de acordo com a leitura que os especialistas nos deram, esta lei configura, de facto, alguns aspectos inconstitucionais, pela violação da liberdade de estabelecimento e da livre escolha da gama de produtos que cada operador quer oferecer. Isto é como chegar a uma qualquer loja de retalho e dizer "você tem que vender isto" e não dizer "você vende aquilo que quer trazer para o mercado", desde que cumpras as especificações técnicas e todas as normas de segurança.

Se avançarem para tribunal vão ter que provar que há, de facto, um prejuízo e um dano. Não fizeram ainda essas contas?
Esta é uma situação totalmente nova. Não há nenhum país que eu conheça que tenha imposto uma lei destas. Não há historial. Não é possível fazer uma avaliação baseada em factos passados. Só se podem fazer estimativas. Quando compra um carro, um chocolate, um fato ou uns sapatos e associa a uma determinada marca, não tem nenhum estudo a assegurar que aquela marca é melhor ou que a qualidade é melhor do que outra, mas tem confiança ou percepção que uma marca vale mais que outra. As empresas petrolíferas também prezam muito o valor das suas marcas. E falam como? Através de uma oferta de produtos que têm a sua chancela e características diferentes. Ao dizer que estão todos a fazer e a vender a mesma coisa, isto é ir contra o valor da marca. Nós temos a noção que poderá haver uma erosão significativa do valor da marca e isso, com certeza, poderá ser avaliado e ponderado por especialistas.

As petrolíferas podiam ter antecipado e tomado as rédeas deste assunto. Ao manterem o preço dos combustíveis sabiam que alguma coisa ia acontecer?
Discordo da inevitabilidade e sobretudo da relação com o preço. Os preços que se praticam em Portugal são comparáveis que se praticam na maioria dos países europeus.

Portugal tem a 5ª gasolina e o 8º gasóleo mais caros da Europa.
Dito assim, pode assustar. Mas, se compararmos o preço médio em Portugal, antes de impostos, com a média da zona euro, temos uma gasolina que anda em linha com a média europeia. Antes de impostos, é inferior ao preço que se pratica em Espanha. No caso do gasóleo, também é mais baixo que Espanha. Mas esta comparação tem de ser feita com reservas. Temos uma das taxas mais altas de incorporação de biocombustíveis da Europa: 7,5% em conteúdo energético. Com uma agravante. Não nos permitem importar biocombustíveis e os que são produzidos em Portugal são mais caros do que se fossem adquiridos no mercado externo. Além disso, chegámos à conclusão que há uma correlação quase absoluta entre os preços e a densidade das redes. Portugal, Espanha e Itália têm das redes mais densas, o que significa que os custos unitários são maiores, porque os volumes vendidos por posto são menores. França tem uma rede muito pouco densa e consegue preços médios mais baixos que os restantes países europeus.

Foi o preço que esteve na base desta lei e ficamos com a ideia que as petrolíferas nada fizeram para a evitar.
O que podíamos fazer? Quando fomos confrontados com o projecto de decreto-lei, tinha uma argumentação perfeitamente incorrecta. Disponibilizámo-nos para encontrar soluções. Fizemos um levantamento dos municípios onde não havia acesso aos combustíveis simples das grandes superfícies. Propusemos arranjar uma solução para esses municípios que permitisse disponibilizar esses combustíveis, sem generalizar a sua aplicação. A indústria fez tudo o que podia para tentar convencer o poder político que havia soluções mais equilibradas.

A medida foi política?
A medida é, completamente, política. Em conversas que tive com vários responsáveis políticos e deputados da comissão que analisou a lei em detalhe, apresentámos os nossos argumentos e não os vimos serem rebatidos. Agora, quando se anuncia que uma medida vai fazer baixar significativamente os preços, é politicamente complicado algum partido dizer: "não se faça isso".

Nos hipermercados, os combustíveis simples podem ter entre oito e 12 cêntimos de desconto

O ministro da Energia, Jorge Moreira da Silva, disse hoje que um desconto de três cêntimos nos combustíveis simples, que desde 17 de abril estão a ser vendidos em todos os postos do país com essa poupança, permite aos consumidores portugueses poupar perto de 200 milhões de euros num ano.

Esta é a estimativa de poupança face à média de consumo anual que, segundo os últimos dados da Entidade Nacional para o Mercados dos Combustíveis (ENMC) foi de cerca de 5,7 milhões de toneladas de gasolina e gasóleo entre abril de 2014 e março de 2015.

Contudo, para o dirigente, este desconto de três cêntimos, apesar de positivo, não é ainda suficiente. Aliás, Moreira da Silva acredita mesmo que os preços vão baixar mais.

"Desvalorizar três cêntimos é não estar em linha com os desejos dos portugueses, mas espero que se possa ir mais longe porque os três cêntimos não são ainda suficientes", disse o ministro, na comissão de economia que está a decorrer esta manhã no Parlamento.

Contudo, lembrou que "a lei tem ainda só tem 10 dias" e que é preciso esperar mais um pouco para haver impactos mais significativos.

Aliás, Moreira da Silva disse estar confiante porque os revendedores de combustíveis querem esta alteração e podem fazer uma pressão positiva sobre as marcas.

Défice tarifário em 2015
O ministro referiu ainda na comissão que o défice tarifário da eletricidade em 2015 será de 380 milhões de euros, ou seja, longe dos milhões de euros anuais que costumava ser, e ainda o valor mais baixo dos últimos quatro anos e metade do ano passado.

"Este Governo gerou zero de nova dívida tarifária", disse o ministro em resposta à deputada socialista Hortense Martins.

E acrescentou ainda que foi possível reduzir o défice tarifário sem deixar de investir nas renováveis que, há três anos pesavam 45% na produção e hoje pesam 62%.